Os acionistas minoritários da Vale não conseguiram eleger um representante para o conselho de administração da empresa na assembleia da semana passada, uma situação desconfortável para uma das maiores empresas brasileiras no momento em que ela se propõe a dar um salto em sua governança corporativa.

Felizmente, as coisas não devem ficar assim. Antes mesmo do resultado ser proclamado, a Valepar — veículo pelo qual Previ, Bradesco, BNDESPar e Mitsui controlam a empresa — sinalizava que deve chamar uma outra assembléia para acomodar o pleito dos minoritários.

Mas a história de como acionistas gigantescos — incluindo fundos soberanos e alguns dos maiores gestores do mundo — foram privados de representação explicita a dificuldade do mercado de capitais brasileiro de se reinventar como um porto seguro para investidores institucionais e do varejo.

Esta é a história de três percalços enfrentados pelos minoritários, e o traço comum entre eles não poderia ser mais tipicamente brasileiro: o triunfo da letra da lei sobre seu espírito, da forma sobre o conteúdo, da tecnicidade sobre o pragmatismo.

Primeiro, os fatos básicos do caso e um aviso: os trâmites burocráticos narrados abaixo são de uma chatice letal (o que certamente é parte do problema).

Quatro candidatos propostos pelos minoritários estavam concorrendo a duas vagas no conselho — ainda que, dadas as exigências da Lei das SA, a expectativa mais realista fosse a eleição de apenas um conselheiro.

A gestora de recursos Aberdeen indicou as especialistas em governança corporativa Sandra Guerra (para a vaga representando os dententores de ações PN) e Isabella Saboya (para a vaga dos detentores de ações ON). Os acionistas Lírio Parisotto e Victor Adler, por sua vez, indicaram o advogado Marcelo Gasparino (PN) e o consultor Bruno Bastit (ON).

A Lei das Sociedades Anônimas estabelece três possibilidades para a eleição de conselheiros representando os minoritários:

— Para capturar a vaga dos ordinaristas, os minoritários tem que conseguir 15% das ONs;

— Para eleger alguém para a vaga dos preferencialistas, os minoritários detentores daquela classe tem que reunir votos representando 10% do capital total;

— Por fim, ordinaristas e preferencialistas podem se unir para eleger um representante se conseguirem atingir 10% do capital da empresa.

Esta última possibilidade — o obstáculo menos intransponível — era a grande aposta dos minoritários.

Aí, começaram os percalços.

Pela lei, o boletim de voto — a cédula eleitoral usada pelos acionistas residentes no Brasil para votar na assembleia — tem que ser emitido 30 dias antes da assembléia. Para inserir candidatos no boletim de voto, os minoritários-proponentes tem que deter pelo menos 0,5% do capital da empresa. E, finalmente, a proposta com os nomes tem que chegar à empresa 45 dias antes da assembleia.

Como os minoritários se movimentaram tardiamente, eles não conseguiram cumprir este prazo, e os nomes dos quatro candidatos ficaram de fora do boletim de voto.

Mas havia, ainda, a possibilidade de inserir os nomes nos chamados ‘proxy cards’, as cédulas de voto usadas pelos acionistas internacionais da empresa.  Como os maiores acionistas da Vale são, na verdade, gestores internacionais como Capital, BlackRock, Aberdeen e Norges Bank, havia a expectativa de que eles conseguiriam votar nos indicados.

Bizarramante, no entanto, o mundo em que a tecnologia facilita escolhas e simplifica processos ainda não penetrou a realidade dos grandes investidores.

Os acionistas internacionais votam por meio de uma cadeia intrincada, que inclui o banco custodiante e o banco depositário de seus ADRs — no caso da Vale, o Citigroup — e empresas que analisam a pauta da assembleia e recomendam a estes grandes acionistas como votar. Os maiores destes ‘proxy advisers’ são a ISS e a Glass Lewis.  O banco custodiante emite o ‘proxy card’ — a cédula por procuração — que circula por um sistema eletrônico.

Inicialmente, a ISS propôs a seus clientes o voto em Guerra e Saboya, e abstenção quanto aos outros dois candidatos.  Já a Glass Lewis recomendou que os preferencialistas votassem em Sandra Guerra, e os ordinaristas, em Bastit.

Dias depois, no entanto, a ISS emitiu outra recomendação de voto, desta vez suprimindo os nomes de Guerra e Saboya.  Procurada, a ISS disse que o Citigroup não havia atualizado o ‘proxy card’ para incluir os nomes das candidatas — ou seja, elas não constavam da cédula que seria usada pelos acionistas internacionais.

A esta altura, restava aos investidores um último recurso: votar nos candidatos emitindo uma instrução especial, por escrito, que seria enviada à assembleia.  (As razões pelas quais o Citi não atualizou o ‘proxy card’ não são conhecidas.)

Aqui cabe mencionar um percalço anterior:  ao tomar conhecimento da existência das candidaturas dos minoritários, a Vale fez uma consulta à CVM.  A empresa queria saber se, apesar dos nomes dos candidatos terem chegado à companhia fora dos 45 dias exigidos pela lei, a empresa poderia alterar o boletim de voto para incluir os nomes dos quatro candidatos dos minoritários?

Amparando-se na letra da lei, a CVM respondeu que não.

O terceiro obstáculo que se mostrou intransponível veio no dia da assembleia, e envolve a documentação dos acionistas.  A rotina é conhecida: a companhia recebe a documentação de quem quer votar e analisa se está tudo em ordem.

Ao receber os documentos, a Vale achou defeito na maioria.

O advogado Daniel Ferreira, representante de fundos estrangeiros com participação relevante na Vale, disse à repórter Mariana Durão do Estado de São Paulo que “mais da metade” das ações que ele representava foram invalidadas por supostos problemas na documentação.

Durão conversou também com o presidente da Amec, Mauro Cunha, para quem a Vale não seguiu as práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, que determina ‘boa fé’ na recepção de procurações. “Houve procuração assinada pelo presidente do Banco Central da Noruega impugnada por falta de um carimbo”, Cunha disse à repórter.

Parece improvável que a Valepar tenha agido para bloquear os minoritários no conselho — uma participação que, além de numericamente ínfima, ajudaria a construir uma narrativa de ‘accountability’ com o mercado, e cuja ausência, como se vê, obtém o resultado oposto.

Neste sentido, a ideia de convocação de uma nova assembleia com o propósito específico de eleição de um minoritário é não apenas bem vinda como deveria ser executada rapidamente.