Depois de se desenrolar espetacularmente no mundo financeiro, a tragédia da ascensão e queda de Eike Batista entrou ontem em sua fase criminal, com o acusado chegando em avião de carreira e sendo levado ao presídio para a tosa que lhe marca como réu. 

A prisão do ex-bilionário fez muita gente comemorar, e continuou a longa catarse nacional possibilitada pela Lava Jato.

Mas o que restará quando a adrenalina baixar e a sede de justiça estiver saciada? O que teremos aprendido com tudo isso, nós que não estamos presos e temos que retomar esta luta diária e construção coletiva chamada Brasil?  Que ensinamento tiramos da queda dos poderosos?Eike Batista

A prisão de Eike Batista renova a oportunidade para discutirmos onde terminam os empresários-vilões e começa o Estado bandido. Um não existe sem o outro.

Primeiro, as ressalvas — que, por óbvias, seriam desnecessárias, mas insisto: Todos somos responsáveis por nossos próprios atos, e o braço da Justiça tem que alcançar a todos que delinquiram. Mais: todo adulto deveria ter a capacidade de dizer ‘não’ quando o papo não é reto.

Isto posto, ninguém vive no mundo da teoria; ou, como ensinou o filósofo Ortega y Gasset, “Eu sou eu e a minha circunstância.”

Fora a cleptomania patológica — da qual Sergio Cabral parece ser o exemplo mais chocante — há realidades práticas que explicam por que a corrupção ocorre em grande escala no Brasil, e a partir daí temos uma ideia do que fazer para que isto comece a mudar.
 
O maior ente corruptor no dia-a-dia do brasileiro é o Estado: suas instituições e seus representantes. 
O emaranhado de regras, a incessante mudança das mesmas, a latitude de interpretação por parte dos agentes do Estado, e um Judiciário cuja morosidade desonra a toga — tudo isso cria o caldo de cultura que permite a um fiscal ou governador pedir, e constrange um empresário a pagar.

“É humanamente impossível cumprir todas as regulações que temos,” diz um empresário à coluna. “Imagine um arame farpado. Agora, imagine 100 arames farpados.  Imagine que eles estão bem perto um do outro, e que você tem que atravessar um campo de 100 metros cheio deles.” 

Ninguém sai sem um arranhão.

Como o agente público tem o poder discricionário de multar (ou não) e de aprovar (ou rejeitar), quanto mais numerosas e confusas as regras, maior o espaço para aquela subjetividade que vem com uma piscada de olho.  Neste capítulo, o que os empresários mais temem é o famoso instituto do ‘meu entendimento.’  Quando um fiscal diz, “No meu entendimento…”, o empresário sabe que o monstro cinzento da burocracia está prestes a engoli-lo.

A geometria ensina que a menor distância entre dois pontos é uma reta, o empresário brasileiro é forçado a percorrer este trajeto em curvas: um caminho que dissipa a energia criativa e consome recursos em áreas-meio (contadores, advogados…). É um Sistema que cria inconveniências para vender ‘soluções’, empurrando gente honesta para a ilegalidade.

Muitos empresários (pequenos, médios e grandes) se reconhecerão nestes dilemas. O empresário toma risco e trabalha com prazos e retornos. Já o Estado tem seu próprio timing, e seu ‘dono’ são 200 milhões de brasileiros que não estão ali na hora, aptos a julgar sua performance.  Um fiscal que ‘senta’ numa autorização pode inviabilizar um projeto.

 
“Você tenta abrir uma quitanda ou coloca um carrinho de pipoca na rua, e já vem o policial pedir o dele: é a ‘taxa de proteção’,” diz um amigo da coluna. “Uma vez, numa blitz, mesmo eu estando todo certo e com tudo em dia na documentação do carro, o guarda me disse, ‘Mas mesmo assim você vai deixar uma caixinha pra gente, né?’”  Quem não conhece alguém com uma estória dessas pra contar?
 
‘O problema, caro Brutus, não está nas estrelas, mas em nós mesmos,’ refletiu Shakespeare.
Essas corrupções infectaram o tecido social brasileiro há séculos, e a Lava Jato, ainda que sinalize um novo norte moral, não vai extingui-las nem com a prisão de todos os acusados. Este trabalho será da sociedade como um todo.
 
Não basta desconstruir esse modelo corrupto. Precisamos desburocratizar o Estado e inverter sua lógica atual. Sem isto, daqui a 20 anos ainda estaremos aqui, no mesmo muro das lamentações, amaldiçoando os empresários de amanhã.  De vez em quando um deles será tosado em Bangu, para a satisfação efêmera e ilusória da massa.