Vera Helena CarneiroPor mais de 20 anos, Vera Helena Carneiro tem sido uma das mais elegantes anfitriãs do Rio de Janeiro.

À frente do seu Restaurante Atrium del Rey, a restauratrice sempre recebeu empresários, gente do mercado financeiro e os políticos que habitam a egrégia casa legislativa do Estado.

(Sim, o Atrium é vizinho de porta da famigerada ALERJ, cujos deputados, depois da omissão e conivência com governos que quebraram o Estado, agora hesitam em tomar as medidas necessárias para reerguê-lo.)

Os almoços do Atrium já receberam de Roberto Marinho ao navegador Amyr Klink, de Pedro Simon a Armínio Fraga — e até Ron Carter, um ícone do jazz.

Mas agora, Vera Helena quer passar o ponto — e começou a circular seu CV entre os amigos.

O Atrium resistiu bravamente aos anos de decadência do Rio e até à recessão épica legada por Dilma Rousseff, mas não está conseguindo sobreviver ao caos que engoliu o Centro do Rio e está nocauteando os microempresários da região, que estão perdendo a clientela, tendo que demitir gente, e ainda assim continuam sangrando.

Desde novembro, as imediações da ALERJ se tornaram o palco de manifestações de funcionários públicos: dia sim dia não, um grupo protesta os salários atrasados; outro, a privatização da empresa de água; sem falar nos carregadores de bandeira profissionais, que são pau pra toda obra.  Não raro os protestos descambam para a violência e o vandalismo.

“Estou tendo de 10 a 20 pessoas no almoço, quando antes eram de 40 a 60,” diz Vera Helena.  O Atrium tem 22 anos, e a gestão do lugar tomou um terço da vida da empresária, de 61 anos. “Tenho um cliente que teve que sair daqui e dar uma volta lá pelo Catumbi para chegar no [Aeroporto] Santos Dumont, que é aqui do lado.”

“Os clientes, que já andam ariscos pela crise, pensam duas vezes antes de ir lá por medo de ter que enfrentar as manifestações,” diz Mauro Nahoum, cliente da casa há 18 anos.

Com piso e colunas de pedra irregular, e quadros que retratam as viagens de Dom Pedro ao interior do Rio, o Atrium é um nicho dentro do Paço Imperial, uma construção que data de 1743 e foi a residência da família real quando veio para o Brasil.  Ali foi assinada a Lei Áurea, que aboliu tardiamente a escravidão.  O Dia do Fico — quando o então príncipe regente D. Pedro de Alcântara se recusou a voltar a Lisboa, prenunciando a Independência do Brasil —  se deu na varanda do Paço.

Mas logo que se cruzam essas paredes que viram a História se desenrolar, o Rio de Janeiro — e sua classe política — agoniza em praça pública. 

O Atrium não é a única vítima. O Restaurante Crystal, em frente à ALERJ, teve sua fachada de vidro estilhaçada, e está temporariamente fechado. Certa tarde, os vândalos invadiram uma agência do Santander, levaram os sofás para a rua e os incendiaram. Várias lojas da região já foram saqueadas ou vandalizadas, em cenas de barbárie raramente vistas na história dos protestos brasileiros.

Os problemas do Atrium em particular, e do Estado do Rio em geral, mostram como o Rio continua dependente da máquina estatal meio século depois de deixar de ser a capital federal.

Hoje, um veículo leve sobre trilhos (VLT) passa a poucos metros de distância do Atrium e da ALERJ — o legado mais pitoresco dos bilhões de reais em obras de mobilidade urbana que o Rio ganhou graças às Olimpíadas (obras que, o Ministério Público descobriu, atendiam o apetite pantagruélico do governador Sergio Cabral).  Mas a verdadeira reforma do Rio passa longe dos trens, corredores exclusivos de ônibus e novos túneis.

O Rio precisa mudar a configuração de sua economia — ancorada no binômio Petróleo e Estado — e se livrar da síndrome da capital federal.

Só falta combinar com os políticos fluminenses e os funcionários públicos, cujos interesses, aparentemente divergentes na hora do quebra-quebra, convergem milagrosamente quando o objetivo é manter a teta do Estado gorda e fluida.