A revelação de meu colega Lauro Jardim de que Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira  estão começando a estudar a compra da Diageo deixou os investidores coçando a cabeça para entender a lógica de uma combinação entre a fabricante do Johnnie Walker e a Anheuser-Busch InBev (ABI), controlada pelos brasileiros.

Entre os gestores e analistas que falaram com VEJA Mercados, o único consenso é de que uma transação como esta deve ser liderada pela cervejaria, e não pela 3G Capital, a companhia de investimentos do trio.

Mas fora isto, o mercado só tem dúvidas.

Robert Ottenstein, analista da indústria de bebidas da Evercore ISI, disse a clientes que considera a transação ‘improvável’ por desviar do discurso estratégico feito pela ABI.

Ele listou quatro pontos:

1. A ABI, comandada por Carlos Brito, tem dito que é uma ‘empresa de cervejas’ e que pretende continuar assim no futuro próximo.

2. Ottenstein organizou uma reunião de investidores com o CFO da ABI, Felipe Dutra, em março. Saiu de lá convencido de que, apesar da ABI estar focando em capturar market share nas chamadas ‘ocasiões de consumo’, “isso não tem impacto na estratégia de M&A da empresa e não significa que eles vão comprar uma empresa de destilados.”

3. A cultura da ABI é uma cultura de simplicidade.  “A ABI não conhece o negócio de destilados, e uma aquisição da Diageo adicionaria muita complexidade ao negócio da empresa.”

4. Para Ottenstein, “a ABI só consideraria uma oferta pela Diageo se tivesse descartado outras grandes aquisições,” como a compra da SABMiller, que já discutimos aqui , ou da Coca-Cola, que abordamos aqui.

Carlos Brito As opiniões de Ottenstein costumam ter um peso particularmente relevante porque ele já foi executivo da ABI, responsável por relações com investidores.

Ele também nota que os canais de distribuição de cervejas e destilados são ‘completamente separados’ no mercado norte-americano, que representa 40%-45% dos lucros da Diageo. Assim, há “sinergias limitadas na distribuição em mercados desenvolvidos e processos industriais diferentes.”

O que Ottenstein acha que faria muito sentido é uma oferta da ABI pela cerveja Guinness, a principal marca no portfólio da Diageo.

O principal apelo da Guinness é que ela daria à ABI uma entrada imediata no continente africano, o mercado de cerveja com maior potencial de crescimento no mundo.

Mas ele acha que a Diageo não venderia a marca. “Ainda que o negócio de cerveja represente apenas 20% do faturamento da Diageo, o management da empresa considera o negócio crítico para sua distribuição de destilados na África,” diz Ottenstein. O negócio de cerveja representa entre 60% e 70% do faturamento da Diageo na África e cerca de 50% de seus lucros na região.

No entanto, Ottenstein vê uma saída inteligente para este impasse.

Se a ABI desse garantias à Diageo de manter e aumentar seus canais de distribuição de destilados na Africa, e se um acordo para vender a Guinness melhorasse a distribuição dos produtos Diageo em países como o Brasil (o que teria que envolver a Ambev), a Diageo poderia ser persuadida a vender.

Mas quem conhece a engenhosidade das operações do trio — como o uso do balanço da Ambev na compra da Labbatt e a ousadia de comprar a Anheuser-Busch enquanto o capitalismo global derretia — sabe que não se deve descartar nada.

A ABI e a 3G Capital poderiam, por exemplo, fazer uma oferta conjunta pela Diageo — a 3G, provavelmente aliada a Warren Buffett, ficaria com o negócio de destilados (que tem as marcas-líderes e a recorrência de geração de caixa que a 3G tanto aprecia) e a ABI ficaria com a Guinness.

Há outros fatores em jogo que tornam uma possível oferta interessante: a ação da Diageo está parada numa faixa — negocia hoje nos mesmos níveis de 2012 — e a empresa teve seus ups and downs em termos de resultados. E apesar de ser boa no marketing das marcas, não tem o talento para controle de custos que a ABI possui.