Não sei se os políticos brasileiros já se deram conta de que o mundo está pegando fogo — não metafórica, mas literalmente — e que a multidão se avoluma nos portões de Versalhes, com fome de pão e sede de vingança.

Nos EUA, a maioria silenciosa acaba de eleger você sabe quem, no maior ‘FUC** YOU’ enviado ao establishment político na história das democracias modernas.

Antes, no Reino Unido, o medo de um mundo globalizado e sem fronteiras fez os ingleses optarem por sair da União Europeia, um marco civilizatório do qual, racionalmente, jamais deveriam abdicar.

No Brasil, a conta de anos de corrupção sistêmica está chegando para deputados, senadores, governadores e ex-presidentes, e cada novo amanhecer traz aquela dúvida:  ‘Será que é hoje que a PF bate à minha porta?’

Neste cenário de terra arrasada, era de se esperar que o desconfiômetro disparasse como o termômetro do peru Sadia na noite de Natal, indicando que a hora da moralidade chegou, que já deu, basta.

Eis que, apesar de tudo que aprendemos nos últimos anos, o Ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, sente-se à vontade para procurar o Ministro da Cultura não uma, mas inúmeras vezes, para pressionar o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a tomar uma decisão que beneficiaria seus interesses imobiliários na Bahia.

A pressão, narrada à Folha de São Paulo pelo agora ex-ministro Marcelo Calero, mostra mais um político, este com gabinete no Palácio do Planalto, tratando o Governo como seu quintal, em vez de ofício, e dando ordens como se a máquina trabalhasse para ele e não para você, contribuinte, que sustenta essa piada.

O ‘timing’ e o déficit cognitivo de Geddel não poderiam ser mais impróprios, mas ele não está sozinho em não perceber que o mundo mudou.

Avoluma-se no Congresso a ousadia — de uma estirpe mais próxima da estupidez que da bravura — de tentar lutar contra o espírito do tempo, com medidas que tentam conter a Lava Jato, castrar procuradores e anistiar políticos e seus corruptores, atos que equivalem a montar uma bomba-relógio, mas fazendo questão de deixar o relógio de fora.

No Brasil, a revolta popular tem sido tão esporádica quanto imprevisível.  Em 2013 — quando a economia sequer havia afundado como faria mais tarde, depois da reeleição de Dilma — o povo encheu as ruas por vários dias, exigindo melhores serviços e mais eficiência de Brasilia.

A classe política fingiu que ouvia, fez discursos de mudança e cara de compungida.  Mas nada mudou.

Veio a Lava Jato e, no início deste ano, milhões de pessoas transbordaram (de novo) do conforto de suas casas para pedir o impeachment de um Governo que quebrou o País, desempregou milhões, e até hoje foi incapaz de fazer sequer um ‘mea culpa’.  

Mudou o Governo, mas aparentemente os políticos continuam respirando o mesmo ar rarefeito e tendo ilusões de que tudo pode continuar como era.

No Rio de Janeiro, ao ser preso por organizar um esquema de compra de votos em seu curral eleitoral, um ex-governador dá chilique quando é tratado como um preso comum — indo para o hospital dos mortais, o presídio dos mortais, e sendo submetido às regras dos mortais.

O mesmo Estado quebrou porque, alem de ser imprevidente, um outro ex-governador fez um escambo satânico: trocou um futuro promissor na política por joias, helicópteros e todos os luxos que o dinheiro sujo compra com facilidade.

O Rio continua sendo a síntese do Brasil — nem pior, nem melhor, apenas a melhor metáfora, a alegoria definitiva.

A política, em sua forma mais elevada, é um chamado ao serviço; em sua pior, é a arte de servir-se.

Ainda assim, em meio ao som cada vez mais frequente das sirenes dos camburões, não deixa de ser preocupante que, por mais que haja prisões no Brasil, o País não consiga avançar num novo padrão ético.

Na Coréia do Sul, este é o quarto final de semana consecutivo em que 500 mil pessoas vão às ruas exigir a renúncia da Presidente Park Geun-Hye.  Park tinha uma amiga que se comportava como PC Farias, extorquindo empresas privadas e usando sua amizade presidencial para pedir doações para uma ONG que ela comanda. Park já pediu desculpas duas vezes na TV, mas o povo só aceita sua cabeça na bandeja.

No Brasil, se Geddel entendesse os novos tempos, renunciaria ainda este fim de semana, poupando ao Presidente Temer o desgaste de mantê-lo e/ou de ter que demiti-lo.

Mas os políticos estão na mesma situação do aposentado que tem que aprender a lidar com a internet: eles não entendem o novo sistema operacional, só sabem apertar as mesmas teclas, e preferem continuar fazendo as coisas do jeito antigo.

Boa parte deles teme que a conta do passado chegue numa intimação judicial ou num mandado de condução coercitiva.

A última esperança do Velho Regime é tentar mudar o jogo atual, que lhe é desfavorável: no Senado, Voldemort tenta um último feitiço para manter tudo como está. Na escuridão, as criaturas tramam.

Mas está lá, no Livro Negro das Democracias Falidas:  ‘se o feitiço se voltar contra o feiticeiro, os resultados são imprevisíveis.’

Excelências:  pensem muito bem no que vão fazer nos próximos dias, e daqui por diante.